domingo, 9 de agosto de 2015

SAL DA TERRA


Assisti ao documentário "Sal da Terra" sobre a biografia do fotógrafo social Sebastião Salgado. Jamais imaginei tão densa e profunda vivência oferecida pela história de vida deste homem. O documentário é conflitante. Parece ter provocado em mim os sentimentos opostos de lamento angustiante e esperança.
Como não me questionar? Como não questionar que sentido estou dando à minha vida e que norte estou tentando ser para meu pequeno mundo?
Eu era ainda muito moça quando vi, pela primeira vez, algumas fotografias de Sebastião. Contemplava-as nas paredes do corredor de um mosteiro jesuíta no interior do estado de São Paulo, onde passei boa parte de minha mocidade. Lembro que as fotos interpelavam-me. Estabeleciam diálogo. Nunca os olhos de uma Monalisa acompanharam-me mais do que os olhos daquela gente de Ruanda ou da Etiópia. Tinha dia que eu gostava do diálogo, não tinha medo. Outras vezes, fugia deles. Demorou um tempo para perceber o motivo da fuga. São espelhos... Colocam-nos em contato com o que há de pior em nós porque parecem perguntar o tempo todo o que fiz por aquele Cristo que ali estava, suplicante de água, comida, afeto, partilha e comunhão. Aquele Cristo que esperava que eu desse de comer o meu pão. 
Sal da terra me fez perceber que corremos o tempo todo atrás do paraíso perdido. Nascemos já nessa corrida contra o tempo atrás de algo que sabemos nos pertencer ou já ter pertencido. O problema é que corremos em direção a este paraíso sem olhar pro lado. Queremos chegar sozinhos ao paraíso. Na maioria das vezes, julgamos ser a ambição o melhor caminho, a balsa mais indicada para o paraíso. E tem sido assim. Pegamos carona com a ambição ansiando chegar à terra prometida. 
Tentei questionar em mim o que é pior: a impossibilidade da aquisição ou a ambição diante da impossibilidade. Percebi que somos ambiciosos mesmo quando nos julgamos os mais mocinhos da história. Quando nos orgulhamos de nossas caridades e boas intenções, elas estão sempre caminhando lado a lado com as nossas ambições mais sórdidas. Ambições que se regadas, cultivadas e praticadas, colocam em risco o ritmo do outro e a lógica da partilha e da comunhão para as quais nascemos. 
Refleti um pouco sobre o quão ferozes e cruéis nós podemos ser. Temos um talento nato para a crueldade e para a opressão. Esse é um dado antropológico e ontológico. A história é cíclica e em todas as eras, o que vemos são as guerras e o egoísmo se repetirem... Com esse nó na garganta, às vezes, emerge em mim uma vergonha da minha espécie. Vergonha de minhas ambições e das ambições de meus amigos. Perguntei-me que mundinho é esse que eu ando vivendo e que mundo eu gostaria de ajudar as pessoas a conhecerem. Para evoluir um pouco, nem é necessário ir tão longe quanto foi Sebastião. Um giro em trezentos e sessenta em torno de nós mesmos e já teremos matéria bruta suficiente para trabalhar. 
A parte boa da conversa é que há uma chance de sermos redimidos. Assim como Salgado nos mostra na prática o movimento inverso, o seu Projeto Gênesis - o que ainda resta de bom em toda a terra, e nos fala que é possível reverter, a cada dia, o quadro borrado. A saudade do paraíso não precisa ser só saudade, pode ser esperança também. Ter um olhar universal para tudo aquilo que é bom é o mote para acreditar no homem apesar dele. O homem ainda tem jeito. O convite de Salgado a perceber que somos um com a terra e com toda a vida que dela nasce ainda é o fio condutor para o destino menos infeliz que possamos ter. Afinal, somos nós o Sal da Terra!
A parte não muito boa da conversa é que não seria aconselhável assistir ao documentário com pipocas. Elas não descerão!


Será apresentado no dia 25 de agosto, às 19h na Sala de Leitura do Parque Vicentina Aranha em São José dos Campos. Foi indicado ao Oscar de melhor documentário em 2015 e eu recomendo muitíssimo.


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