segunda-feira, 30 de abril de 2012

O véu ainda não se rasgou


Consta nas análises de estudiosos e teóricos que, a dualidade formativa, ou seja, a bivalência abordada nos processos de educação humanos (a educação erudita e a educação para o fazer; a educação para a classe nobre como a educação intelectual e bélica e a educação para os plebeus para a produção de coisas úteis) que começa no mundo antigo, permanece até a revolução do cristianismo.
Despretensiosamente, eu já não concordaria com isso. Arriscaria dizer que o processo educacional ainda se adapta aos moldes do mundo antigo e alguns manipuladores da história nos fazem crer que passamos por um processo louvável de revolução e evolução.
A educação para o fazer ainda perdura nos dias de hoje. Basta olhar para os moldes e parâmetros educacionais que vigoram no sistema atual. Tudo muito velado, é verdade, mas totalmente dicotômico.
Ainda temos um sistema de ensino voltado para a performance tecnicista e tudo aquilo que for conivente com a lógica utilitária. Holgonsi Soares Gonçalves Siqueira, Doutor e Mestre em Educação e Especialista em Filosofia Contemporânea e também líder de um grupo de pesquisas do CNPq intitulado “Globalização e Cidadania em perspectiva interdisciplinar”, diz em seu ensaio sobre A Performance Sob Uma Lógica Tecnicista:

Neste sentido, a ciência passa a ser uma força de produção, estando associada mais ao desejo de enriquecimento do que o de "saber". Como resultado, o investimento em pesquisa é voltado para aquelas áreas que dão lucro, ou seja, prioridade aos estudos voltados para as "aplicações"; enquanto isto, "os setores de pesquisa que não podem pleitear sua contribuição à otimização das performances do sistema, são abandonados pelos fluxos de créditos e fadados à obsolescência" (Lyotard). Sob o viés do ensino, questões políticas e socioculturais capazes de contribuir para a autonomia do indivíduo, deixam de ter sentido, e os alunos, inclusive das Ciências Humanas, preocupam-se apenas com a questão "onde vou aplicar isto?".[1]

Na Idade Antiga, a educação política era reservada a pequenas castas. Hoje, continua assim. Você não vê na maioria das escolas uma carga horária devidamente elaborada para as disciplinas de Filosofia e Sociologia, por exemplo. Ensinar a pensar dá trabalho, e aprender a pensar pode ser perigoso. Portanto, ainda dividimos as questões de ensino-aprendizagem sob o véu do templo (vale dizer que teologicamente no contexto cristão, o véu se rasgou, ou seja, nada mais divide a raça humana da aproximação com o Divino – Mateus 27, 50-51) que ainda não se rasgou na educação da sociedade neoliberal.


[1] SIQUEIRA, Holgonsi S. G. A Performance Sob Uma Lógica Tecnicista. Disponível em: http://www.algelfire.com/sk/holgolsi/performance.html. Acesso: 30 abr. 2012

terça-feira, 10 de abril de 2012

A Alma do Instrumento de Infância

por Giselle Lourenço (sobre seu violino)

Ele sempre esteve lá: tranqüilo, sereno, vermelho, ora fosco, ora brilhante, mas sempre esteve lá. Presente em meus sonhos, parecia uma extensão do meu braço esquerdo. O seu som era a extensão do Paraíso, às vezes ecoava aveludado, às vezes enternecia minha mente, outras vezes, malandro e com vontade própria, estardalhava meus ouvidos e num furor que só os belos astros podem ter, me beliscava a face com sua voz mais aguda a aquebrantar-se – era a corda arrebentando.
Hoje, ele ainda está lá. O lá era o sonho que agora é o aqui. Pude tocá-lo após a maturidade, maturidade talvez apenas de não ter dedos tão flexíveis como poderia quando criança e maturidade de ter que me dividir entre ele e outros astros não tão atraentes, não tão vermelhos, não tão foscos, não tão aveludados e não tão fascinantes, mas astros necessários para girar na órbita do chão meu de cada dia...
Hoje, ele fica quieto, repousa sereno, mas não admite não ser olhado e nem tocado. É orgulhoso e imponente demais pra não brilhar. Ele quer ser tocado sempre, e eu quero tocá-lo eternamente.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

Dyrce Araújo fala sobre a Ciranda de Poesia

Com formação em Letras, filha e neta de professores de língua portuguesa, a escritora, educadora e membro da Academia Joseense de Letras Dyrce Araújo fala da importância da Ciranda de Poesia para o fomento da literatura em nossa região.

por Giselle Lourenço

A escritora e educadora Dyrce Araújo falou de forma intensa sobre cultura, educação e poesia ao Núcleo de Comunicação do Bola de Meia.
Dyrce é hoje, uma figura fundamental no processo cultural da região do Vale do Paraíba. Sua trajetória implica em, desde muito cedo, concomitante com o exercício de lecionar a língua portuguesa, ter apaixonado-se também por projetos comunitários, a princípio com propostas de trabalhos teatrais, mas que com o tempo ampliou-se para outras tantas linguagens artísticas que passaram a contribuir para o desenvolvimento de capacidade de expressão de várias comunidades na região.
Ganhou muita experiência ao começar seu trabalho como agente cultural na Fundação Cultural Cassiano Ricardo, de onde, aos poucos, pela intensidade com que abraçava novos empreendimentos culturais, foi colaborando fortemente para um formato mais dinâmico de todo o processo de construção cultural da cidade, com um acento ainda maior para a Literatura e para a motivação da produção escrita dos autores regionais.
Dentre seus livros publicados, estão: “Quando a Casa Dorme”, “O Pecado Imortal”, “Sagrada Paixão”.
Dyrce foi, ainda, diretora de cultura de Jacareí e por quatro anos dirigiu a Biblioteca Pública da Fundação Cassiano Ricardo em São José dos Campos.
A escritora encontra-se citada em antologias e também no Dicionário Crítico de Escritoras Brasileiras de Nelly Novaes Coelho, uma obra que reúne a pesquisa de verbetes das principais autoras brasileiras.
Dyrce tem sido frequentadora quase que assídua da Ciranda de Poesia, um projeto que acontece no Ponto de Cultura Bola de Meia e que reúne autores, poetas e apreciadores de poesia e literatura de toda a região. A professora nos conta que encontrou na Ciranda de Poesia do Bola de Meia, antes de mais nada, um grande acolhimento.
A autora acentua que hoje, há um esforço grande de escritores do Vale para que o incentivo à Literatura possa desenvolver-se ainda mais. Porém, ressalta que a região, principalmente a cidade de São José dos Campos já foi bem mais viva e rica culturalmente, mais especificamente no âmbito literário em meados das décadas de 80 e 90.
Dyrce fez questão de lembrar que, hoje, não tem conhecimento de alguma ação que envolva escritores e poetas na região de maneira frequente e articulada como o Projeto da Ciranda. “O que vejo hoje são iniciativas esporádicas de alguns poetas que se reúnem para tentar promover algo ou então eventos literários maiores mas que não possuem um formato de continuidade, como é o caso da Ciranda de Poesia” – explica.
A autora fala com admiração sobre as conquistas de permanência das atividades do Ponto de Cultura Bola de Meia, uma vez que, segundo ela, viu na cidade muitas iniciativas artísticas e culturais que começam, vigoram por algum tempo e que, de uma hora pra outra, terminam. Para o Bola de Meia, saber que a escritora carrega esta visão do Ponto de Cultura vem ao encontro daquilo que sempre prezamos com relação ao cultivo das capacidades de cada ser, da criação e disseminação do saber e do fazer coletivo.
Dyrce acha fundamental que educadores olhem mais para o Projeto Ciranda de Poesia para que, de alguma forma, articule uma extensão para as salas de aula, vendo na Ciranda o complemento pedagógico essencial para incentivo à leitura dos educandos.
A autora, enfim, salienta a necessidade de mais bibliotecas, mas coloca uma definição de bibliotecas como algo inovador, pois conceber a biblioteca como apenas o prédio que contém livros é algo que fica muito aquém das necessidades de mudanças culturais de nosso país. Dyrce imagina bibliotecas como um organismo vivo, que deve prezar pelo direcionamento, pela assistência pedagógica, com menos burocracia e mais vivência e trocas de experiências entre frequentadores, professores e funcionários.
Nós do Ponto de Cultura Bola de Meia agradecemos sempre a presença da professora Dyrce em nossas Cirandas e desejamos que mais promotores culturais possam lançar, a seu convite, os olhares para este espaço democrático de incentivo à poesia e à atividade de produção escrita.
Grata, professora Dyrce!
Agradecemos a todos os frequentadores e amigos de nossa Ciranda!


Giselle Lourenço entrevistando a Professora Dyrce Araújo