quinta-feira, 25 de agosto de 2011

Como ensinar o Acordo Ortográfico às criancinhas?

Em tempos de acordo ortográfico, vale à pena pensar em estruturas para que as novas regras passem a vigorar na prática e isso, sem que deixemos para a última hora, como é bem característico do povo brasileiro. Só temos a lucrar com a aplicação e aprofundamento de nosso acordo nesse período de transição (que no caso, para o Brasil, o prazo vai até 2013), pois para o último momento ficará difícil assimilar algumas coisas.
Lendo um artigo de um professor de língua portuguesa respeitável de Portugal, achei interessante publicá-lo aqui. Segue:

Como ensinar o Acordo Ortográfico às criancinhas?




 Vamos assumir como ponto de partida consensual que a linguagem humana é algo que está num constante, mesmo que lento, processo de transformação, seja no sentido do seu enriquecimento (vocabular), seja no da simplificação (ortográfica).
Resultado da intra e interacção dos grupos humanos, a linguagem verbal é a forma mais específica de comunicação humana e necessita, num mundo actual massificado, de ferramentas comunicacionais estáveis e de um padrão ortográfico que fixe as características fundamentais a utilizar pelos seus falantes e escreventes.
 Por isso mesmo, não tenho uma posição de princípio contrária à existência de um Acordo Ortográfico entre as várias comunidades de utilizadores da Língua Portuguesa. Posso ter dúvidas quanto à sua configuração específica, a algumas das soluções adoptadas ou mesmo a certos argumentos usados em seu favor. Mas, globalmente e em tese, considero útil a existência de um Acordo Ortográfico, desde que ele seja suficientemente flexível para contemplar diferentes variantes e especificidades de cada uma dessas comunidades.
 Mas não é essa questão que, neste momento, me (pre)ocupa mais. Confesso que a minha maior preocupação passa, no caso particular deste Acordo Ortográfico, pela forma como se prevê a sua implementação e difusão pelo conjunto da sociedade e não apenas no papel do acordo, dos seus protocolos modificativos ou da sua ratificação.
 Vivemos actualmente num mundo extremamente veloz nas suas transformações mas que exige, em simultâneo, uma planificação cuidadosa e minimamente distendida no tempo para que algumas dessas transformações se façam sentir na sociedade de um modo uniforme e, se possível, com um nível de penetração eficaz.
 Por isso, a Escola funciona como o espaço ideal de inculcação (no bom e no menos bom sentido) nas novas gerações de algumas dessas mudanças, em particular daquelas que são promovidas pelo Estado e que dependem, para a sua difusão, de um aparato de tipo universal. E esse é o caso da apropriação do discurso escrito como ferramenta comunicacional, seja no plano da compreensão como no da produção. E é aqui que entra a questão do Acordo Ortográfico e do período de transição para a sua aplicação generalizada.
 O período de transição previsto para a adopção das novas regras ortográficas – seis anos – parece ser suficiente num primeiro olhar (o Brasil quer um período de apenas três, mas as alterações na grafia do outro lado do Atlântico são menores), mas a verdade é que, no presente momento, ainda não sabemos ao certo como se pretende operacionalizá-lo, por exemplo, através do sistema educativo.
 Mandaria o bom-senso que, logo depois de ratificado o Acordo e definida a data da sua entrada em vigor mais o período transitório, se tivesse conhecimento de um plano operacional para essa mesma aplicação nas Escolas.
 Isso implicaria ajustamentos nos programas das disciplinas de Língua Portuguesa/Português, a produção de novos manuais de acordo com as novas regras e a adaptação dos de outras disciplinas a essas mesmíssimas regras, isto para não falar da indispensável formação de professores.
 Aceitando como óbvio que agora é difícil preparar algo para o ano lectivo de 2008-2009, seria útil que essa preparação arrancasse a pensar em 2009/10 como uma data possível e desejável para a introdução das novas regras do Acordo Ortográfico nos primeiros anos dos vários ciclos de escolaridade (1º, 5º, 7º e 10º na actual configuração), por forma a conseguir em 2-3 anos alcançar todos os alunos integrados no sistema educativo. Deste modo todos os alunos que entrassem nesse ano na escolaridade obrigatória já teriam à sua espera o aparato de suporte necessário a uma aprendizagem que será difícil fazer em muitos ambientes familiares, em especial os culturalmente mais desfavorecidos, enquanto os alunos que se encontrassem então em anos intermédios ou finais de ciclo (2º, 3º, 4º, 6º, 8º, 9º) poderiam, no início do ciclo de escolaridade seguinte, (re)verem as suas aprendizagens e adaptá-las ao novo padrão. Assim só ficaria por resolver a questão dos alunos já no 11º ou 12º ano.
 Só que tudo isto se cruza com um outro processo de mudança, neste caso na área da terminologia linguística, anunciado para 2009 ou 2010 e que é o da tentativa de implementação da conhecida Terminologia Linguística Para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS) que tanta tinta fez correr no passado recente e cujo período de consulta pública de uma versão menos polémica terminou no passado dia 16 de Junho.
 Ora os calendários previstos, no presente momento, para a generalização do Acordo Ortográfico e para a aplicação da TLEBS (ou apenas TLEB), sobrepondo-se, só são em parte concordantes. Só que, por evidentes imperativos práticos, ambos os processos deveriam ser objecto de uma implementação sincronizada no sistema educativo, de modo a que os materiais de trabalho (os já referidos programas e manuais) só sofressem um momento de reforma geral, assim como os docentes deveriam receber, em tempo útil, a formação adequada para a eventual generalização destas medidas. Só assim será possível evitar que os factores de perturbação que facilmente se adivinham possam ser reduzidos a um mínimo aceitável.
 Só que nada sabemos sobre o que se vai passar no âmbito da reformulação dos programas das disciplinas de Língua Portuguesa e Português o que coloca vários problemas aos diversos actores em presença no mundo da Educação:
Por tudo isto conviria que, em especial os mais fervorosos defensores do Acordo Ortográfico (e da TLEBS), se preocupassem em pensar nestas questões práticas que são essenciais para o sucesso prático da generalização do uso das novas regras do Acordo Ortográfico sem grandes sobressaltos e de forma articulada com outras mudanças anunciadas para o ensino da Língua Portuguesa.
 Neste particular, os Ministérios da Cultura e da Educação têm acrescidas responsabilidades.
Resta saber se disso já se aperceberam.
 Adenda: Este texto ainda é, de forma notória, escrito em modo de pré-Acordo Ortographico, digo, Ortográfico.

Paulo Guinote é Professor do 2º Ciclo do Ensino Básico. Doutorado em História da Educação. Autor do blogue “A Educação do meu Umbigo” (http://educar.wordpress.com/).





segunda-feira, 8 de agosto de 2011

A importância da revisão de texto

A importância da revisão de texto e da norma culta

O que faz, exatamente, um revisor de textos? Que importância tem isso para o universo da linguagem?
Tem toda importância! Ao contrário do que muitos pensam, um revisor de textos não se esmera para transpor os termos de uma produção escrita para além do horizonte do erudito. Muito menos para alterar o conteúdo da mensagem que um autor deseja transmitir.
            A revisão de textos tem a finalidade de facilitar a comunicação entre leitor e escritor.
Nossa língua possui regras, uma padronização, a norma culta. E norma culta não significa norma pedante e sim norma cultivada ao longo dos tempos e aceita em comum acordo para ser aplicada numa determinada cultura como resultado de pesquisas extenuantes concernentes à comunicação oral, entre outros fatores. E é tão importante quanto a escrita de uma partitura o é para o universo musical. Imagine se não houvesse uma padronização na maneira de grafar uma peça musical: a mesma música seria escrita de diversas maneiras e nenhum músico conseguiria interpretá-la ou executá-la. Da mesma forma, se não houvesse uma norma culta, alguém poderia grafar lebre querendo dizer gato e quem poderia dizer que seria o contrário? E ao mesmo tempo, quantos entenderiam gato e quantos entenderiam lebre? Seria uma verdadeira Torre de Babel. E é por isso que uma das funções de um revisor trata-se de adequar a grafia do texto à norma culta da língua, no nosso caso, a língua portuguesa, e a mensagem que se deseja emitir em muito depende de uma boa revisão e adequação dos padrões da língua.
Alguns empreendedores da escrita – por vezes, autores que se aventuram em produções independentes ou por vezes, entidades de renome – permitem-se a aventura de publicações sem revisões. Tarefa perfeitamente possível? Claro! Mas entenda-se que capacidade criativa de produção escrita é uma coisa, pleno domínio da língua escrita é outra, e que raríssimas exceções possuem o mérito de conjugar as duas coisas na mais plena harmonia. As imagens abaixo falam por si.


  Duas ocorrências no fenômeno da escrita chamam minha atenção: a primeira seria a dificuldade que alguns letrados, indivíduos um pouco mais eruditos possuem quanto à habilidade (ou falta dela) para transpor a linguagem. E transpor a linguagem também é uma ferramenta poderosa de comunicação, além de não desmerecer a escrita apenas porque as construções são expostas de modo mais acessível. E por falar em texto acessível, chego agora na segunda questão: alguém que escreve com a mais nobre das intenções de transpor tanto a linguagem que chega a ofender alguns. Às vezes, na tentativa de se situar na mesma linguagem de um matuto, por exemplo, a pessoa que quer comunicar por meio da escrita acaba fazendo um movimento tão forçado para ir ao encontro de determinado sotaque, usando jargões e elementos gráficos oriundos daquela fonética regional como que para provocar a empatia de determinados destinatários daquela mensagem. O que muitos autores esquecem é de considerarem que o efeito pretendido poderá ser exatamente o inverso, pois não é só porque alguém diz “nóis pode, nóis vai, tudu bein cocêis”, que esse alguém irá querer ler um texto assim. Bom, isso é uma abordagem para um estudo à parte. Acabei abrindo uma janela linguística que, merecidamente, deveria ter uma cadeira cativa entre as disciplinas das escolas públicas e privadas, separadas das tradicionais aulas de língua portuguesa, porém, como uma extensão muito necessária para o bom aprendizado da mesma. E vale ressaltar que não sou especialista em linguística mas não poderia deixar passar a observação.
Gostaria de lembrar o quão árdua é a tarefa de revisar uma obra literária permeada de poemas, poesias, metáforas etc. O universo poético cria suas próprias regras e cada vez mais me encontro com neo-poetas. E com isso, chega uma avalanche de licença poética. E então, exige-se mais que um olho clínico para a análise estética e gramatical... Uma carga de inteligência cognitiva e experiências com relações humanas fazem-se necessárias neste momento: garantir minimamente a coesão de uma linguagem artística, intencionalmente desapropriada de padrão, requer a integração de todo universo da linguagem, requer, com “olhar de cego”, compreender que tudo fala, palavras escritas ou silenciadas.
Meu esforço com esse texto é de expor que a norma padrão não se trata de mais uma variante linguística como tantas que temos em nosso país, e sim uma ferramenta que, bem aceita e com pleno domínio de utilização, pode promover uma evolução da comunicação e que, longe de ser uma ferramenta de elite usada para o domínio de poucos sobre a grande massa, sua apropriação e o incentivo de seu correto uso pode mover uma nação inteira para um sentido mais evolutivo, evitando assim, o domínio de uma suposta elite sobre os desavisados gramaticais. Lembrando, ainda, que a escrita não possui o auxílio dos gestos e tudo deve ser evidenciado no texto, e por isso tanta preocupação e zelo pela atividade de produção escrita. E acrescentando que uma língua só ganha força ou poder quanto maior for sua uniformidade, sua padronização.
Tomo a liberdade de terminar esse texto citando um outro muito interessante que li no blog de uma colega <http://arevisaodetextos.blogspot.com/> e merece ser reproduzido.
“O revisor se define não por seus conhecimentos, mas por seu perfil psíquico. A revisão é mais que uma profissão:  uma neurose. Esta neurose se caracteriza como uma espécie de sacrifício consentido (desejado) pelo revisor; é um tributo à saúde (qualidade) da edição. O revisor se oferece, sempre, em sacrifício à Deusa do Idioma Francês, portanto, todos aqueles que se dedicam a esse ofício nunca serão normais. (...) Para o revisor, o importante não é o que ele sabe, mas o que ele está consciente de não saber ou, pelo menos, não saber totalmente, e que por isso exige permanente verificação. (...) O revisor não lê como todos os demais homens leem, ele fotografa a palavra visualmente. (...) O exercício da profissão do revisor pode ser descrito, perfeitamente, como uma 'leitura angustiada'. O seu trabalho é, justamente, evitar que todos os outros seres humanos necessitem fazer essa leitura angustiada.” (Sophie Brissaud,* La lecture angoissée ou la mort du correcteur*, tradução de Sandra Baldessin)