terça-feira, 19 de agosto de 2014

Sobre o livro: Lirismo Crônico

Foto: Paulo Roxo Barja
Se a ideia era um livro sobre futebol, papel cumprido! Eis aqui o diário de um jogador que esteve em campo em todos os jogos da Copa do Mundo! Enquanto seu coração jogava em campo fértil, seus pés faziam a melhor jogada para quem quisesse a bola. E por isso, não é apenas um livro sobre futebol, apesar de os mais Roxos Paulos torcedores desse Brasil encontrarem aqui uma epopeia futebolística para ler-se com cerveja ou café - você escolhe. Sabe aquela história? "Flamenguista roxo?" Ai, desculpem! Paulo é santista... Foi um lapso freudiano, como dizem por aí. Aliás, ele deveria chamar-se: Paulo Santos Roxo... Barja...
O meu enfoque é que, lendo essas linhas, eu descubro que há dois tipos de autores: o trágico, que insiste em negar a exuberância da vida por causa das paixões que decepcionam e o otimista, que retira das pedras a beleza e alegria, a força e a esperança. Eu fico com o segundo. Por isso, identifiquei-me com o autor e não só. Reencontrei-me, redescobri minha brasilidade adormecida a partir das perspectivas oferecidas aqui.
Foi muito construtivo pra mim, saber que agora, não só não somos dependentes do futebol para moldar nossa imagem diante do mundo, como também superamos tal dependência. E as crônicas deste livro são de um lirismo tão contagiante que, como podem perceber, o lirismo não é apenas crônico mas também epidêmico.
Eu fico muito contente em saber que o meu patriotismo vai além dos gramados (amo futebol e entendo pacas da arte, modéstia à parte), e poder confirmar com essas reflexões do livro, praticamente existenciais, humanistas e transcendentes que não estou sozinha nessa esperança e nesse otimismo brasileiro é consolador e significativo.
Como já dizia outro que partira dias atrás, sigamos sem desistir do Brasil! E isso está tão bem traduzido nessas linhas e entrelinhas. Irmanados na poesia, na literatura, no futebol e em tantas outras coisas que nos fazem um, entenderemos dentro em breve - e principalmente com a ajuda desse livro - que não somos mais o país do futebol mas podemos ser ainda o país da bola, se soubermos cabecear a "bola da vez".

Giselle Lourenço

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Cora Coralina: Raízes de Aninha




Tantos se dizem apaixonados pela figura de Cora Coralina...
Eu era mais uma dessas que me dizia apaixonada pela velhinha goiana que escrevia poesias e fazia doces. Até aqui, havia lido uma biografia, algumas crônicas, alguns contos, várias ou muitas poesias, diversos documentários, os quais, inclusive, tratavam direto com a poetisa.
O que eu não poderia imaginar era que ela realmente voltaria, tal como prometera em seu epitáfio.

"A pedra de meu túmulo
será enfeitada de espigas de trigo
e cereais quebrados
minha oferta póstuma às formigas
que têm suas casinhas subterra
e aos pássaros cantores
que têm seus ninhos nas altas e floridas frondes.
Eu voltarei...”
Cora Coralina

Não poderia eu imaginar que ela voltaria pelas mãos de um anjo, que possivelmente, ela mesma enviou. As mãos daquela que, dentre tantos e dentre poucos, também encontrou na figura da velhinha da casa velha, na aurora do cronos, na fortaleza encarnada, essas mãos que me dedicaram um livro... Um livro que encerra uma vida transformada, uma aura iluminada, uma em dez, uma em mil, uma em todas.

Dividiu as águas profundas, mansas e turbulentas de meu mar o livro “Cora Coralina: Raízes de Aninha”.

Não tenho crítica literária para fazer à referida obra e nem analiso seus autores criticamente. Não cabe... Porque não cabe mais em mim o transbordar de poesia em chão batido, o chão nosso de cada dia refrigerado de flores, rosas, ipês, borboletas...

Tive eu um encontro pessoal com Cora Coralina. É um transfigurar de seu corpo em palavras que encontraram o espelho dentro de mim. Encontrei-me com Cora. Conheci Cora. Vivi com Cora. Senti o cheiro de Cora. Perpassei as orações de Cora. Senti o calor e as rugas de suas mãos. Percebi seus dedos calejados e tortos entrelaçados aos meus. Dilatei meu coração. E de repente, foi um misto de transe e erupção vulcânica. Até meu corpo teve dor... Ela, realmente, voltou. E eu, realmente, a vi.

Entendo agora e até respondo a dúvida que pairava com os escritores desta obra sobre o “para quê” de mais uma biografia de Aninha. Porque, ainda que leias todas as biografias sobre Cora, qualquer uma delas poderá ser dispensada em virtude dessa. Em virtude das raízes que aqui, oferecem a seiva que nutria a velha, que nutria a jovem e que nutre o mundo. Essas raízes nos oferecem um encontro espiritual e carnal. Sinestesia extrapolada. Um mergulho nos ares correntes da casa velha, da velha, da ponte, do rio... Esse livro – Cora Coralina: Raízes de Aninha – é um manual sobre como ler Cora... Como ler suas poesias, sua vida, sua mensagem. Apresenta-nos Cora assim: olho-no-olho, mão-na-mão, raio-em-copa.

Não quero parecer uma herege ao universo cristão, portanto peço licença... Mas Raízes de Aninha tornou-se meu Evangelho. Nunca tão encarnado. Nunca tão frutificado em mim como agora. O cultivo das rosas em terra vermelha fez esparramar polens até meu coração. Sinto que dele, começam a nascer rosas... Nunca tive rosas no coração se não me esforçasse muito pra isso. Agora, elas brotam assim, com o mínimo cultivo.

Olho ao redor, vejo Cora. Tem um sopro aqui ao pé do ouvido... É Cora... Sua voz... Ela me fala o tempo todo. Vou tratar de vida corriqueira, fala Cora aqui pra mim. Vou parar para rezar, parece que ela me empresta seu coração e de presente, sua fé. Vou admirar-me da vida, da família que cresce, ela me empresta seu olhar... Não, não deixei de ser eu mesma. Não sofro crise existencial ou de identidade. Ela, o evangelhozinho simples da labuta, da humildade, da esperança e da força penetra aqui no meu pobre coração e me ensina coisas que já avançava o tempo de eu aprender.

Agora sim, eu entendo de Cora. Sinto-me sua filha. Mais uma... Isso foi o que o debulhar dessa espiga dourada intitulada “Cora Coralina: Raízes de Aninha” veio trazer ao milharal de minha vida. Digo sem pretensão, com humildade mas com certeza: sou doutora em Cora Coralina. Presente de anjo dá nisso... A obra está pronta a fazer mais doutores que se dispuserem em alma e tempo. Esse pleno entendimento não é mérito meu. É mérito dos outros filhos de Cora que, com esmero, a fizeram reviver nessas linhas de ouro. Obrigada: Clóvis Carvalho Britto & Rita Elisa Seda.

Dedicatória da autora Rita Elisa Seda (quem me presenteou com a obra)



Também eu quero chegar à minha casa velha da ponte...
Não sei que casa
Não sei quão velha
E não sei qual ponte



Casa Velha da Ponte em Goiás, onde viveu Cora Coralina.
Hoje, Museu Casa de Cora Coralina - Goiás.
Apenas sentir no findar de minha vida algo assim...
Viver valeu a pena
O tempo é meu amigo
E o chão é sim batido



Giselle Lourenço

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Coisas de São José (com carinho à cidade de minha filha)

Coisas de São José (com carinho à cidade de minha filha).
Ainda sobre o caso "Estacionamento de Hospital". 

Reza a lenda por aqui que a população, tal qual Odorico, anda com a alma lavada e encharcada de revolta. Coisas de um tal Hospital-Maternidade de freiras que resolveu cobrar seu pedágio para os que precisam, na doença, seguir por suas estradas celestiais e seus corredores paradisíacos. 

Se você passa na porta, lá avista, orgulhosa, a plaquinha de tarifas que relacionam os valores com seus períodos. Essa lenda continua rezando por aqui. Eu queria mesmo era que as freiras rezassem também! 

Os mais piedosos que me perdoem, não abri fogo contra sua denominação. Apenas sou contra denominação que comunga com a dominação. Tenho muito respeito pelo hábito, desde que ele, realmente, faça o monge. E se você pensa, ingenuamente, que ofereço riscos à hombridade instituída, Jesus, aquele que era o Cristo, não seria tão polido como eu sou.

Soube da lenda que, em horas de missa, o sujeito pode entrar sem pagar, afinal, quem vai à missa é mais santo que o doente moribundo. É mais nobre que o acompanhante que pernoita por lá tendo acolhido a mensagem "toda vez que cuidaste do doente, a mim o fizeste". Ah, nem me peçam a citação de capítulo e versículo pois não cultivo a pregação querigmatica.
Cá estou esperando, pois seguiu correspondência minha à cidade de Roma. Desinformada é coisa que não sou. Dou sorte... Certa vez, disse-me uma freira desse lugar toda piedosa, pomposa e orgulhosa: "Não somos de direito diocesano, somos de direito pontifício." Ora, bom então. Minha reclamação tem como destino a província do mundo. Estou aqui esperando... Mas dei ação pra revolta. Fui pedir satisfação...
Fico apenas me perguntado: Como é que se prova ter ido à missa para não se pagar o tributo? Será que é só dizer as palavras do Cristo: "Não façais um comércio na casa de meu Pai!"? Isso provaria a piedade de alguém?

Texto dedicado à minha madrinha Cora Coralina
Giselle Lourenço