domingo, 27 de novembro de 2016

O Pequeno Príncipe, a disciplina e os baobás

Por Giselle Lourenço

Não é todo domingo que a gente tem uma super viagem pra fazer ou um piquenique no parque com a criançada. Fico pensando que tipo de gente, após trabalhar a semana toda, resolve lavar seus banheiros no domingo. Bom, claro que não sou a única; como eu, muitos fazem isso. Eu faço por vários motivos. Primeiro, por falta de opção mesmo, pois não tenho quem o faça por mim, já que não pago alguém para me auxiliar nas tarefas domésticas. Segundo, lembro-me das palavras de um poeta em uma letra de música que diz: “quem não tem aonde ir, descobre a graça de saber ficar”. Terceiro, gosto de tarefas domésticas. Elas me permitem meditar enquanto as executo, sinto prazer em limpar e arrumar. E antes que alguém pense que sou acometida pela neurose da limpeza, digo que há imensa diferença entre sentir prazer em viver em um local limpo e arrumado e a neurose. Cuidar da própria casa é uma tarefa muito nobre, muito bonita. Lembro-me do Pequeno Príncipe e dos baobás. Ele diz a respeito: “É uma questão de disciplina. [...] Quando a gente acaba a higiene matinal, começa a fazer com cuidado a higiene do planeta. É preciso que nos habituemos a arrancar regularmente os baobás logo que se diferenciem das roseiras, com as quais muito se parecem quando pequenos. É um trabalho sem graça, mas de fácil execução”.
Enquanto eu arrumo e limpo, penso o que em mim precisa de arrumação e de limpeza, e tem funcionado bem. Voltando aos baobás, o príncipe nos conta que eles crescem muito se não arrancados em tempo. E suas raízes são muito profundas, o que me faz pensar em nossos vícios e em nossa maldade. Se não as arrancamos em tempo, elas crescem, e crescem sem que percebamos, pois, primeiro, suas raízes imensas começam a tomar conta do interior do “planeta”. Às vezes, pensamos que está fácil arrancar um pé de baobá, pensamos que o braço dá conta de puxar, mas a surpresa é que a raiz já proliferou e ganhou forças, e o braço que parecia capaz de arrancá-lo torna-se impotente.
Inevitavelmente, lembro-me também das palavras do Papa Francisco em sua carta “Laudato Si”, em que ele fala a respeito do cuidado com a nossa casa, com a casa comum. Mas eu completo o desafio dizendo que ninguém tem condições de cuidar de uma casa comunitária se, primeiro, não for acostumado a cuidar de sua própria casa. E então, a dialética entre casa física e morada interior torna-se inevitável. François D’Agay, sobrinho de Saint-Exupéry, em 2009, plantou um baobá em Itú, São Paulo. Ele nos deixou uma boa lembrança para que cuidássemos de nossa casa. Olhando para o baobá, sempre deveremos lembrar de cuidar de nosso lar e de organizar o nosso espaço. Dizem as filosofias orientais que um espaço externo organizado reflete na organização mental, e, assim, a vida flui melhor. Se você tem dificuldades de organização e não possui disciplina, lembre-se dos baobás e da lição do menininho.
Voltando à minha faxina da casa em pleno domingo, lembrei agora de quantas vezes me perguntaram como eu consigo fazer tantas coisas ao mesmo tempo. Acho que a contemplação do príncipe me trouxe a resposta. Com relação às riquezas do príncipe, de uma eu tenho inveja mesmo: ele consegue assistir ao pôr do sol várias vezes no dia, bastando, para isso, ir afastando sua cadeira para trás, enquanto eu só vejo esta imagem da minha varanda uma vez ao dia. Não sei se meu exame de consciência vai conseguir arrancar essa inveja que eu tenho do príncipe... Será?



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