quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Crônica finalista do Prêmio Sesc de Literatura

            Memória de Elefante em 10 dias
Por Giselle Lourenço
                       
            Não me recordo bem do autor, mas o livro chama-se Memória de Elefante em 10 dias.
            Achei por bem levar pra casa, já que não sou lá dessas pessoas que possuem a melhor memória e, por vezes, uma memória mais habilidosa me faz falta mesmo. Comecei a leitura sem esperar muita coisa, mas, aos poucos, a história e a proposta dos exercícios me envolveram, dada a lírica presente no estilo do autor. Livros com propostas como melhorar a memória, leitura dinâmica, propósitos de vida, são temas que avassalam as prateleiras e os carrinhos de compra. Mas no primeiro dia da leitura pensei: que não se sobreponham os preconceitos e que eu experimente algo que não busco cotidianamente. Não custa tentar! E nessa empatia do primeiro contato, cumpri a proposta do primeiro dia. Naquela mesma noite, o telefone tocou. Minha amiga perguntava se havia lido as mensagens do celular porque esperava uma resposta para nossa reunião do dia seguinte. Como eu estava empolgada com a leitura, não consegui lembrar onde colocara o celular. Procurei pela bolsa, pela sala, pela casa... nada! Expliquei a ela a situação, fiz um esforço e não me lembrei onde deixara o bendito aparelho. Retomamos tudo na ligação e não lembrei mesmo onde estava o celular.
            Segundo dia de leitura: acordei mais cedo pra fazer o exercício do dia. Quando entrei no carro e abri o porta-luvas, descobri ali o celular. Menos mal, porque não havia perdido. Mas nas mensagens de minha amiga, não havia menção do horário da reunião. Fui até o escritório, peguei alguns materiais e fui ao seu encontro. Sei que ela havia dito o horário na ligação da noite anterior, mas eu não lembrava ao certo. Resolvi que não havia problema em chegar um pouco antes, dessa forma, poderia adiantar a minha leitura. Adiantei terceiro, quarto e quinto dias. Fiz os exercícios antes de deitar e sentia aquela prazerosa alegria de dever cumprido, como se cumprisse a saga de um herói.
            Dia seguinte mesma coisa: acordando mais cedo para ler as propostas do sexto e sétimo dias (deu tempo!). Saí para o escritório, esqueci agenda e ata de reunião em casa. Achei que me virava sem elas. Começamos a reunião e, ao fim, percebi que esqueci vários tópicos. Mas isso não seria mais problema porque eu tinha aquele livro e, à noite, poderia recorrer a ele para me salvar do dia desastroso. Indo pra casa, minhas mãos estavam leves, a bolsa leve, achei que aquele era um daqueles dias em que eu ia trabalhar a pé pra dar uma caminhada. Quando cheguei em casa, notei que o carro não estava na garagem e fiquei assustada. Perguntei ao porteiro do prédio e foi ele que me lembrou que eu saí de manhã com o carro para o trabalho. O carro estava lá no estacionamento da empresa, e eu, no dia seguinte, teria que acordar mais cedo, não pra ler, mas pra ir andando para o trabalho.
            Manhã seguinte: saí mais cedo novamente. Fiz a combinação de roupas e sapatos que mais se adequariam ao trabalho e à caminhada ao mesmo tempo. Um desafio esse! Pra não perder a oportunidade de ler mais, foquei na proposta do oitavo dia do livro e lia, tranquilamente, orgulhosa em perceber que meu cérebro recebia bem as coordenadas de leitura e caminhada pela rua sem maiores problemas. Ao chegar no estacionamento da empresa, o carro estava lá, e estava só. Não havia mais nenhum além do meu. A avenida, que normalmente é muito movimentada nesse horário, também estava estranhamente mais tranquila. Olhei no calendário do celular: era sábado! Não precisava ter ido trabalhar. Tentei me conformar com o fato de que teria que pegar o carro de todo jeito, mas não me conformava porque poderia, pelo menos, ter dormido um pouco mais. O jeito foi aproveitar as horas remanescentes da manhã de sábado, dessas em que a gente não combina e não programa nada, para ler mais umas páginas do meu livro milagroso.
            No domingo, acordei disposta. Missão cumprida! Finalizei a leitura do livro para melhorar a memória, fiz todos os exercícios e foi mais fácil que pensei. Saí pra caminhada matinal e não tive dúvidas de que fizera uma ótima aquisição naquela semana. O autor, de quem ainda não me lembro o nome, era persuasivo, simpático, parecia entendedor da questão. Eu teria mais sucesso dali em diante por causa da memória mais treinada. E qual não foi minha surpresa ao ver um rosto familiar na pista de caminhada do parque, cumprimentá-la e lembrar que a conheci na loja de roupas íntimas  e enxovais femininos do shopping daquela mesma quadra.
- Oi, querida! Lembra-se de mim? Falamo-nos há uns dias na L&M Boutique. Ajudei você a escolher algumas peças para presente à sua amiga.
E foi quando ela respondeu:

- Claro que me lembro! Você estava comprando esse mesmo pijama que está usando hoje. Você gostou mesmo da estampa de elefantinhos que ele tem, né?




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