quarta-feira, 6 de julho de 2016

Carta aberta aos eruditos-burros



Crédito: Jean-Baptiste Camille Coro/Web Gallery of Art
(Domínio público)
A leitora adornada com flores, 1845, óleo sobre tela,
Museu do Louvre, Paris, França.
Carta aberta aos 
eruditos-burros:
Caro erudito,
Venho acompanhando suas críticas mordazes ao português falado e escrito do brasileiro mediano, que não acumulou, como você, o conhecimento de toda a humanidade ocupando o trono apocalíptico da sabedoria livresca. 

Preciso informar-lhe que esse é um problema estrutural que, antes de ser passível de críticas por aqueles que se pensam discípulos de Padre Antônio Vieira, deve ser tratado com seriedade, deve ser pensado e estudado para que todo cidadão possa, da norma-padrão, servir-se quando necessário, nas ocasiões em que ela, a dona norma, for exigência para a inclusão, seja intelectual, social, mercantil, acadêmica etc.

Eu poderia rir sarcasticamente de você e elevar esse problema de domínio da norma-padrão quando você, ao criticar o português do cidadão mediano, não sabe quando usar "este" ou "esse"; poderia dar continuidade à sua piada usando-a contra você, assumindo o papel de advogada do diabo, ao ver que você não emprega corretamente a mesóclise ou pensa estar arrasando empregando-a em abundância, sem ao menos saber que esta se encontra em desuso, com uma razoável tendência a cair em breve. Poderia, inclusive, escrever uma carta a você desdenhando do seu uso indevido de crase quando escreve: "Irei à Miami". Se em Miami houver boas gramáticas de Língua Portuguesa, aproveite para enriquecer sua estante, mas as leia, principalmente. 

A menos que você saiba descrever todos os erros gramaticais contidos nas obras de Machado de Assis, não queira desdenhar do problema linguístico que enfrenta nossa educação. Já passei da fase em que achar graça das placas de vendas como "Vende verdura cem agrotoxio" me fazia sentir superior, linguisticamente falando.

Caro erudito-burro, não me responsabilizo pelo termo "erudito-burro". A menos que a tradução esteja aquém, esse é um termo usado pelo filósofo alemão Schopenhauer para descrever pessoas como você, que não tendo a capacidade de dar à luz novas concepções e reflexões mais profundas a partir do conhecimento inicial, apenas reproduz ou vomita aquilo que leu e decorou nas enciclopédias por aí. Mas eu gostei do termo e não me sinto ofendendo ninguém, visto que a justificativa é cabível. Talvez, se você retirar sua arrogância do discurso, que é a matéria-prima daquilo que te deixa burro, eu deixe então de usar o termo schopenhaueriano. 
E se você não é um erudito, mesmo que burro, menos ainda desdenhe desse problema estrutural. Se você sequer tem a companhia dos livros e não pratica a leitura frequente, não escarneça de sua própria desgraça. Dizem que não é bom.


Ass. uma professora qualquer

Um comentário:

  1. excelente! como linguista, achei muito relevante! pena q poucos "eruditos-burros" terão acesso!

    ResponderExcluir