por Giselle Lourenço
Às vezes, imersa que sou no estudo da cultura e filosofia orientais, acabo registrando algum ocorrido nos vagões de minha mente cheia de brumas.
Hoje, queria contar sobre a experiência de um renomado filósofo alemão (Eugen Herrigel) que, como eu, interessou-se muito cedo pela filosofia do Oriente e após ser nomeado professor de História da Filosofia na Universidade de Tohoku, no Japão, mudou-se para lá com a esposa e concomitantemente ao o trabalho de docente em Filosofia, empreende uma busca espiritual calcada no misticismo oriental aliada à prática de uma das artes mais “inúteis” que existe: a arte do arqueiro, o tiro com arco e flecha, muito praticada no Japão por mestres Zen-budistas.
Seu mestre era ninguém menos que Kenzo Awa, um dos maiores mestres nessa modalidade que não sei se podemos chamar de esporte; e arte também é uma definição que limitaria seu entendimento considerando-se o que o Ocidente relaciona à arte. Talvez, para alguns amantes das artes, a palavra signifique um caminho espiritual para a iluminação, e se assim for, então estará entendido também o sentido de arte aplicada ao arqueiro Zen.
O que chama a atenção é que Eugen conta que por um longo tempo, não aprendera a respiração correta para a prática da envergadura e tensão do arco, motivo pelo qual ele empregava tamanha força para manter o arco envergado de forma a “conter o mundo” – uma evergadura muito intensa. E durante todo esse tempo, o mestre Kenzo o observou passivamente sem alimentar uma ânsia de corrigir a respiração de seu aluno – e era exatamente nela que estava todo o segredo da habilidade necessária para envergar o arco; habilidade e não força.
Eugen, depois de muito tempo, aprendeu a respirar corretamente e chegou à conclusão de que o sucesso residia em sua nova maneira de respirar, pois conseguira, com grande habilidade, empunhar a flecha e envergar o arco sem ter a sensação de ter que retirar toda a força do solo através do tensionamento da musculatura das pernas.
Sobre essa descoberta de seu sucesso e sobre o tempo que seu mestre o observou sem nada falar, quis perguntar a um amigo – também aluno de Kenzo – o motivo de seu mestre nunca ter lhe dito algo a respeito de sua respiração e postura erradas, ao passo que este lhe respondeu: “Um grande mestre tem que ser, ao mesmo tempo, um grande educador. Se o aprendizado tivesse sido iniciado com os exercícios de respiração, jamais o senhor se convenceria de sua influência decisiva. Era preciso que o senhor naufragasse nos próprios fracassos para aceitar o colete salva-vidas que ele lhe lançou.”
Esse é um belo exemplo de uma das “práticas pedagógicas” orientais, que obviamente, não serve para uma aula de Língua Portuguesa, pois não vamos assistir nossos alunos cometerem erros e esperar que um dia caiam em si para entender que o ensino oferecido pela professora era importante e até que isso ocorra, permitir que eles escrevam na sua frente coisas como “na onde”, “mais eu sou assim”, “sou mas eu” e observar passivamente, não!
Mas na informalidade das situações cotidianas, a observância passiva do mestre serve para refrear, futuramente, toda a prepotência, pretensão, convencimento e alienação do aprendiz. E como somos todos aprendizes de alguma coisa...
Vale ressaltar que o termo "Prática Pedagógica Informal Oriental" foi uma expressão utilizada por mim nesse texto e que não é uma expressão em uso em nenhuma linha de pesquisa ou produções textuais; tento chamar a atenção para uma atitude interessante de um mestre e que merece ser observada, mas não significa que tenha aplicabilidade em situações diversas, principalmente no ensino formal, exemplo que citei apenas para ilustrar a postura de quem ensina nas mais variadas situações.
Você pode encontrar mais conteúdos sobre a arte do tiro com flechas em: HERRIGEL, Eugen. A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen. Editora Pensamento, 1983.
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