domingo, 11 de março de 2012

Poema tirado de uma notícia de jornal

João Gostoso era carregador de feira-livre e morava no
morro da Babilônia
Num barracão sem número.
Uma noite, ele chegou no bar vinte de novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na Lagoa Rodrigo de Freitas e morreu.
(BANDEIRA, 1993).
O poema traz uma visão positiva da morte, ao menos nesse contexto específico.
Os quatro primeiros versos me parecem relatar uma situação em que um indivíduo não possui uma vida tão atrativa pelos padrões dominantes. No quarto verso, a figurativa "sem número" parece dar uma tônica de que trata-se de mais um João, mais um José, entre tantos outros de nossa sociedade, sem número, sem lenço, sem berço, um ninguém. A descrição de seu trabalho como sendo uma feira-livre também parece entrever a ideia de que trata-se de um cidadão do mundo no sentido mais negativo, um errante, um sem-teto, sem posses.
O lugar que ele escolhe para se divertir possui um nome emblemático, pois vinte de novembro é a data em que se comemora não somente o dia da Consciência Negra como também o dia de aniversário de Zumbi dos Palmares, um líder que acolhera escravos fugitivos em uma comunidade oferecendo novas perspectivas de vida e de trabalho. É como se João, um escravo errante, pudesse encontrar refúgio no quilombo.
Após uma sequência de descontrações, o que mais poderia João fazer? O que de mais extraordinário poderia acontecer em sua vida além da dança, da música e da bebida? Para alguém carregado de marcas sociais e dificuldades, é como se a morte pudesse parecer o apogeu da vida, o gozo maior, o ápice da noite. Por isso, no poema, parece haver uma ideia de integração entre ambas como se não pudessem ser vistas como opostas, como forças contrárias; é como se a morte fosse a coroação da existência e o alcance da iluminação tão perseguida. 


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