Lendo um artigo de um professor de língua portuguesa respeitável de Portugal, achei interessante publicá-lo aqui. Segue:
Como ensinar o Acordo Ortográfico às criancinhas?
Vamos assumir como ponto de partida consensual que a linguagem humana é algo que está num constante, mesmo que lento, processo de transformação, seja no sentido do seu enriquecimento (vocabular), seja no da simplificação (ortográfica).
Resultado da intra e interacção dos grupos humanos, a linguagem verbal é a forma mais específica de comunicação humana e necessita, num mundo actual massificado, de ferramentas comunicacionais estáveis e de um padrão ortográfico que fixe as características fundamentais a utilizar pelos seus falantes e escreventes.
Por isso mesmo, não tenho uma posição de princípio contrária à existência de um Acordo Ortográfico entre as várias comunidades de utilizadores da Língua Portuguesa. Posso ter dúvidas quanto à sua configuração específica, a algumas das soluções adoptadas ou mesmo a certos argumentos usados em seu favor. Mas, globalmente e em tese, considero útil a existência de um Acordo Ortográfico, desde que ele seja suficientemente flexível para contemplar diferentes variantes e especificidades de cada uma dessas comunidades.
Mas não é essa questão que, neste momento, me (pre)ocupa mais. Confesso que a minha maior preocupação passa, no caso particular deste Acordo Ortográfico, pela forma como se prevê a sua implementação e difusão pelo conjunto da sociedade e não apenas no papel do acordo, dos seus protocolos modificativos ou da sua ratificação.
Vivemos actualmente num mundo extremamente veloz nas suas transformações mas que exige, em simultâneo, uma planificação cuidadosa e minimamente distendida no tempo para que algumas dessas transformações se façam sentir na sociedade de um modo uniforme e, se possível, com um nível de penetração eficaz.
Por isso, a Escola funciona como o espaço ideal de inculcação (no bom e no menos bom sentido) nas novas gerações de algumas dessas mudanças, em particular daquelas que são promovidas pelo Estado e que dependem, para a sua difusão, de um aparato de tipo universal. E esse é o caso da apropriação do discurso escrito como ferramenta comunicacional, seja no plano da compreensão como no da produção. E é aqui que entra a questão do Acordo Ortográfico e do período de transição para a sua aplicação generalizada.
O período de transição previsto para a adopção das novas regras ortográficas – seis anos – parece ser suficiente num primeiro olhar (o Brasil quer um período de apenas três, mas as alterações na grafia do outro lado do Atlântico são menores), mas a verdade é que, no presente momento, ainda não sabemos ao certo como se pretende operacionalizá-lo, por exemplo, através do sistema educativo.
Mandaria o bom-senso que, logo depois de ratificado o Acordo e definida a data da sua entrada em vigor mais o período transitório, se tivesse conhecimento de um plano operacional para essa mesma aplicação nas Escolas.
Isso implicaria ajustamentos nos programas das disciplinas de Língua Portuguesa/Português, a produção de novos manuais de acordo com as novas regras e a adaptação dos de outras disciplinas a essas mesmíssimas regras, isto para não falar da indispensável formação de professores.
Aceitando como óbvio que agora é difícil preparar algo para o ano lectivo de 2008-2009, seria útil que essa preparação arrancasse a pensar em 2009/10 como uma data possível e desejável para a introdução das novas regras do Acordo Ortográfico nos primeiros anos dos vários ciclos de escolaridade (1º, 5º, 7º e 10º na actual configuração), por forma a conseguir em 2-3 anos alcançar todos os alunos integrados no sistema educativo. Deste modo todos os alunos que entrassem nesse ano na escolaridade obrigatória já teriam à sua espera o aparato de suporte necessário a uma aprendizagem que será difícil fazer em muitos ambientes familiares, em especial os culturalmente mais desfavorecidos, enquanto os alunos que se encontrassem então em anos intermédios ou finais de ciclo (2º, 3º, 4º, 6º, 8º, 9º) poderiam, no início do ciclo de escolaridade seguinte, (re)verem as suas aprendizagens e adaptá-las ao novo padrão. Assim só ficaria por resolver a questão dos alunos já no 11º ou 12º ano.
Só que tudo isto se cruza com um outro processo de mudança, neste caso na área da terminologia linguística, anunciado para 2009 ou 2010 e que é o da tentativa de implementação da conhecida Terminologia Linguística Para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS) que tanta tinta fez correr no passado recente e cujo período de consulta pública de uma versão menos polémica terminou no passado dia 16 de Junho.
Ora os calendários previstos, no presente momento, para a generalização do Acordo Ortográfico e para a aplicação da TLEBS (ou apenas TLEB), sobrepondo-se, só são em parte concordantes. Só que, por evidentes imperativos práticos, ambos os processos deveriam ser objecto de uma implementação sincronizada no sistema educativo, de modo a que os materiais de trabalho (os já referidos programas e manuais) só sofressem um momento de reforma geral, assim como os docentes deveriam receber, em tempo útil, a formação adequada para a eventual generalização destas medidas. Só assim será possível evitar que os factores de perturbação que facilmente se adivinham possam ser reduzidos a um mínimo aceitável.
Só que nada sabemos sobre o que se vai passar no âmbito da reformulação dos programas das disciplinas de Língua Portuguesa e Português o que coloca vários problemas aos diversos actores em presença no mundo da Educação:
Por isso mesmo, não tenho uma posição de princípio contrária à existência de um Acordo Ortográfico entre as várias comunidades de utilizadores da Língua Portuguesa. Posso ter dúvidas quanto à sua configuração específica, a algumas das soluções adoptadas ou mesmo a certos argumentos usados em seu favor. Mas, globalmente e em tese, considero útil a existência de um Acordo Ortográfico, desde que ele seja suficientemente flexível para contemplar diferentes variantes e especificidades de cada uma dessas comunidades.
Mas não é essa questão que, neste momento, me (pre)ocupa mais. Confesso que a minha maior preocupação passa, no caso particular deste Acordo Ortográfico, pela forma como se prevê a sua implementação e difusão pelo conjunto da sociedade e não apenas no papel do acordo, dos seus protocolos modificativos ou da sua ratificação.
Vivemos actualmente num mundo extremamente veloz nas suas transformações mas que exige, em simultâneo, uma planificação cuidadosa e minimamente distendida no tempo para que algumas dessas transformações se façam sentir na sociedade de um modo uniforme e, se possível, com um nível de penetração eficaz.
Por isso, a Escola funciona como o espaço ideal de inculcação (no bom e no menos bom sentido) nas novas gerações de algumas dessas mudanças, em particular daquelas que são promovidas pelo Estado e que dependem, para a sua difusão, de um aparato de tipo universal. E esse é o caso da apropriação do discurso escrito como ferramenta comunicacional, seja no plano da compreensão como no da produção. E é aqui que entra a questão do Acordo Ortográfico e do período de transição para a sua aplicação generalizada.
O período de transição previsto para a adopção das novas regras ortográficas – seis anos – parece ser suficiente num primeiro olhar (o Brasil quer um período de apenas três, mas as alterações na grafia do outro lado do Atlântico são menores), mas a verdade é que, no presente momento, ainda não sabemos ao certo como se pretende operacionalizá-lo, por exemplo, através do sistema educativo.
Mandaria o bom-senso que, logo depois de ratificado o Acordo e definida a data da sua entrada em vigor mais o período transitório, se tivesse conhecimento de um plano operacional para essa mesma aplicação nas Escolas.
Isso implicaria ajustamentos nos programas das disciplinas de Língua Portuguesa/Português, a produção de novos manuais de acordo com as novas regras e a adaptação dos de outras disciplinas a essas mesmíssimas regras, isto para não falar da indispensável formação de professores.
Aceitando como óbvio que agora é difícil preparar algo para o ano lectivo de 2008-2009, seria útil que essa preparação arrancasse a pensar em 2009/10 como uma data possível e desejável para a introdução das novas regras do Acordo Ortográfico nos primeiros anos dos vários ciclos de escolaridade (1º, 5º, 7º e 10º na actual configuração), por forma a conseguir em 2-3 anos alcançar todos os alunos integrados no sistema educativo. Deste modo todos os alunos que entrassem nesse ano na escolaridade obrigatória já teriam à sua espera o aparato de suporte necessário a uma aprendizagem que será difícil fazer em muitos ambientes familiares, em especial os culturalmente mais desfavorecidos, enquanto os alunos que se encontrassem então em anos intermédios ou finais de ciclo (2º, 3º, 4º, 6º, 8º, 9º) poderiam, no início do ciclo de escolaridade seguinte, (re)verem as suas aprendizagens e adaptá-las ao novo padrão. Assim só ficaria por resolver a questão dos alunos já no 11º ou 12º ano.
Só que tudo isto se cruza com um outro processo de mudança, neste caso na área da terminologia linguística, anunciado para 2009 ou 2010 e que é o da tentativa de implementação da conhecida Terminologia Linguística Para o Ensino Básico e Secundário (TLEBS) que tanta tinta fez correr no passado recente e cujo período de consulta pública de uma versão menos polémica terminou no passado dia 16 de Junho.
Ora os calendários previstos, no presente momento, para a generalização do Acordo Ortográfico e para a aplicação da TLEBS (ou apenas TLEB), sobrepondo-se, só são em parte concordantes. Só que, por evidentes imperativos práticos, ambos os processos deveriam ser objecto de uma implementação sincronizada no sistema educativo, de modo a que os materiais de trabalho (os já referidos programas e manuais) só sofressem um momento de reforma geral, assim como os docentes deveriam receber, em tempo útil, a formação adequada para a eventual generalização destas medidas. Só assim será possível evitar que os factores de perturbação que facilmente se adivinham possam ser reduzidos a um mínimo aceitável.
Só que nada sabemos sobre o que se vai passar no âmbito da reformulação dos programas das disciplinas de Língua Portuguesa e Português o que coloca vários problemas aos diversos actores em presença no mundo da Educação:
Por tudo isto conviria que, em especial os mais fervorosos defensores do Acordo Ortográfico (e da TLEBS), se preocupassem em pensar nestas questões práticas que são essenciais para o sucesso prático da generalização do uso das novas regras do Acordo Ortográfico sem grandes sobressaltos e de forma articulada com outras mudanças anunciadas para o ensino da Língua Portuguesa.
Neste particular, os Ministérios da Cultura e da Educação têm acrescidas responsabilidades.
Neste particular, os Ministérios da Cultura e da Educação têm acrescidas responsabilidades.
Resta saber se disso já se aperceberam.
Adenda: Este texto ainda é, de forma notória, escrito em modo de pré-Acordo Ortographico, digo, Ortográfico.
Paulo Guinote é Professor do 2º Ciclo do Ensino Básico. Doutorado em História da Educação. Autor do blogue “A Educação do meu Umbigo” (http://educar.wordpress.com/).
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