Este sábado, foi dia de atividades de interpretação de textos na oficina do Curta Sopa de Letras. No entanto, não fizemos interpretações metódicas como as dos moldes predominantes em ambiente escolar. Como trabalhamos com o Interacionismo, resolvemos nos aventurar a interpretações de textos poéticos. E aí, obviamente, interpretar poesia resulta em maior liberdade de pensamento e criação; a música é tocada no ritmo da subjetividade de cada um, pois sabemos que não pode haver uma única interpretação para uma poesia.
Hoje, sentimos e ouvimos a música de Milton Nascimento - Voa Bicho, e vejam que belíssima interpretação surgiu a partir dos participantes da oficina... E logo abaixo, vocês poderão ouvir a música no vídeo montado em homenagem à turma do CPH Dom Oscar Romero.
Ao final da atividade de interpretação, os participantes produziram uma poesia concreta, com versos que falam a respeito do tema em questão em formato de um pássaro. Parabéns, pessoal!
Voa Bicho
Milton
Nascimento
Andorinha voou, voou, Fez um ninho no
meu chapéu, E um buraco bem no meio do céu
A andorinha vai além, “voou, voou”, é um ser livre, vai ao longe. E
porque vai ao longe, traz novidades e experiências de liberdade, por isso, ao
fazer o ninho no meu chapéu, ela incute uma ideia, traz uma mensagem que se
estabelece em mim, traz um sonho que eu compro, pois estar no meu chapéu
significa que eu permiti que a ideia permanecesse em mim e que eu abracei este
ideal. O buraco bem no meio do céu é algo manifestado fortemente em minha vida.
Nas Sagradas Escrituras, sempre que há essa alegoria, essa figura que diz que o
céu se abre, se rasga, enfim, é porque uma grande epifania aconteceu, e são as
epifanias que marcam a nossa vida e se tornam divisores de águas para nós.
E lá vou eu como passarinho, Sem destino nem sensatez, Sem dinheiro nem pra um pastel chinês.
Quando vou como um passarinho, é porque a situação do encontro
proporcionou que um pássaro libertasse o outro. O encontro com
o outro pode ser muito libertador. E de repente, sem sensatez, nos despimos de
cálculos e métodos para alçar voos que exigem mais coragem, mais paixão e mais
impulsos. Somente uma andorinha livre, alguém que experimentou as perspectivas
para além do mundo ao redor é que pode nos causar esse impacto, essa vontade de
fazer descobertas e de se lançar. Tudo acontece tendo como ponto de partida o
encontro. E quando me despojo de todas as preocupações desnecessárias é que
consigo ter fôlego para ir adiante. Se estou despojado, sei que a cada dia
bastará o seu cuidado. Sequer o pastel chinês é uma preocupação; esse alimento
básico que pode ser comprado a baixo custo e que mantém a fome longe por um bom
tempo, deixa de ser uma preocupação para o encontro com a liberdade.
A andorinha voou, voou, Fez um ninho na
minha mão, E um buraco bem no meu coração
Assim como o ninho do chapéu representa a minha aceitação e apropriação
da ideia que em mim foi incutida pela andorinha, o ninho em minha mão significa
que além da ideia, a andorinha me deixa algo concreto nas mãos, uma ferramenta
que me propicia a realização de um trabalho. Ela me traz as ideias, mas também
me oferece algo concreto para a execução de um trabalho e não me deixa apenas a
vislumbrar o céu de maneira abstrata. E se há um buraco no meu coração, é
porque a andorinha me faz perceber que esse coração jamais estará completo
enquanto bater. O buraco é o que move meu coração a dar passos em direção
ao que irá completá-lo, mas é uma jornada interminável nesta terra.
E lá vou eu como um passarinho, Como um bicho que sai do ninho, Sem vacilo nem dor na minha vez
Ao deixar o ninho, sempre há dor, é tarefa difícil. Mas não há vacilo e
nem dor na minha vez. A coragem e a força trazidas pela andorinha conduzem essa
transposição sem dores, sem traumas; mais uma vez os traumas são minimizados
pela beleza do encontro.
A andorinha voa veloz, Voa mais do que
minha voz, Andorinha faz a canção, Que eu não fiz
A andorinha tem a força e a competência que eu não tenho. O que falta em
mim é completado por ela. Aquilo que eu não sou capaz de fazer, ela faz com
facilidade.
Andorinha voa feliz, Tem mais força que minha mão, Mas sozinha não faz verão.
No entanto, a andorinha não pode viver sem o encontro. Também ela possui
um buraco em seu coração e sabe que sozinha não pode ganhar o céu. Ela voa para
o encontro, voa em busca das metades de suas asas. O homem é um ser coletivo,
sozinho, jamais conseguirá construir trabalhos de estruturas sólidas e que
sejam perenes.
A andorinha voou, voou
Fez um ninho na minha mão
E um buraco bem no meu coração
E lá vou eu como um passarinho
Como um bicho que sai do ninho
Sem vacilo nem dor na minha vez.
Fez um ninho na minha mão
E um buraco bem no meu coração
E lá vou eu como um passarinho
Como um bicho que sai do ninho
Sem vacilo nem dor na minha vez.
Muitos
pássaros cometeram erros tentando ser andorinhas solitárias. Vamos juntos, a
partir do encontro com o outro, construir a nossa história e a história da nova
humanidade!
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