Live 01/06 - Reabrir Agora??? #FiqueEmCasa
Hoje, às 20h, Átila Iamarino.
Tao da Letra
Tao é um ideograma chinês que significa "toda a plenitude". Este espaço destina-se ao compartilhamento de conteúdos relacionados à cultura, educação e, principalmente, literatura.
segunda-feira, 1 de junho de 2020
sexta-feira, 11 de maio de 2018
Metendo a língua: pleonasmo trágico
Caso eu presenciasse uma cena de crime e resolvesse dizer: "Matou-os a ambos", os devotos da Santa Gramática acusariam-me de pleonástica. Mas e Machado de Assis?
- Não, senhora narradora. Machado de Assis usa recurso estilístico, epíteto de natureza, coisas assim.Nunca ouviu falar?
- De minha natureza mesmo, o que eu faria seria usar um epíteto para expulsar sua fala intrusa da minha narrativa. Não vês que tento estabelecer um diálogo com meu leitor? A pergunta acima foi feita a ele ou ela. Não era plano aparecem aqui duas personagens: você, ó estiloso intruso, e eu, que, de narradora, passei a personagem à procura de um epíteto que te mande embora. Será que posso escrever um "saia fora" do meu texto?
- Ah, não, senhora narradora. Isso daí já é um pleonasmo vicioso mesmo.
- Não, senhora narradora. Machado de Assis usa recurso estilístico, epíteto de natureza, coisas assim.Nunca ouviu falar?
- De minha natureza mesmo, o que eu faria seria usar um epíteto para expulsar sua fala intrusa da minha narrativa. Não vês que tento estabelecer um diálogo com meu leitor? A pergunta acima foi feita a ele ou ela. Não era plano aparecem aqui duas personagens: você, ó estiloso intruso, e eu, que, de narradora, passei a personagem à procura de um epíteto que te mande embora. Será que posso escrever um "saia fora" do meu texto?
- Ah, não, senhora narradora. Isso daí já é um pleonasmo vicioso mesmo.
domingo, 8 de janeiro de 2017
O feminino em Mia Couto - Mulheres de cinzas
por Giselle Lourenço
Fronteiras é o termo que melhor define a maestria indefinível desse tecelão de fios historiados. A retratação das fronteiras que Mia faz emergir em suas obras sugerem sempre a sublimação da tranposição. Transpor fronteiras é um desafio a qualquer homem que se utiliza da literatura para acrescentar riquezas ao mundo, para expandir, de alguma forma, a mente do homem contemporâneo, que nunca atravessou tantas fronteiras como agora, mas que também nunca esteve tão preso às fronteiras, visíveis ou não, das limitações impostas ou pelo ego, ou pelo orgulho, ou pelo egoísmo, ou pela corrida em busca do "status quo", ou pela ideologia e por aí vai...
"Mulheres de cinzas" tem como pano de fundo a guerra civil-colonial de Portugal e África que, como toda guerra, impõe fronteiras.
Sobre a obra, são muitas as fronteiras transpostas até aqui (lembrando que ainda tenho o resto da trilogia para ler), mas vale "demarcar o território não demarcado" da alma feminina e de tudo aquilo que ela pode transpor no mundo. Trata-se de um único ventre, como diz o autor na narrativa, o ventre da mulher e o ventre do mundo.
Narrativa dupla, como só Mia sabe fazer tão bem, alternada entre a voz de uma mulher (Imani, africana) e a de um homem (Germano, português), ambas as vozes apenas dizem, cada uma presa à sua fronteira, o movimento de mundo que as mãos e o espírito feminino nos oferecem.
- A primeira superação é a fronteira do corpo: a mulher que supera a opressão que pode significar estar presa a um corpo feminino em uma cultura onde esse corpo pode trazer mais privações do que liberdade. A vontade de ser pó, a vontade de virar cinzas e "desobrigada de ter memória" poderia significar a felicidade momentânea. Superar a imposição que se põe ao corpo feminino é a primeira singeleza.
- Depois, a superação de raças: o branco que se apaixona pela negra africana, o soldado português que se apaixona pela jovem aldeã. O amor que não se rende às fronteiras, sejam elas geográficas, de raças ou de guerras.
- A superação da morte: os mortos que não morrem. Essa contextualização da cultura moçambicana, em que o respeito pelos mortos como se ainda estivessem vivos e como se ainda conversassem com os que ficaram, retirando da morte o peso sepulcral e deprimente que adquiriu ocidentalizada, ainda que com nuances de conforto e esperanças religiosas. Porque os mortos simplesmente "viram sementes", que irão germinar grandes árvores e se tornam um com a terra.
Por fim, a superação da ideia de que a memória deixada de lado conscientemente não significa esquecer o que não deve ser esquecido, e sim esquecer para recomeçar. Em "Mulheres de cinzas", as mulheres sem nomes que se desfazem com o pó são chamadas a ganhar corpo em todas as raças, cores e lugares, podendo ser eu, você e quem mais quiser refazer o mundo a partir do pó a que as tantas guerras, armadas ou não, reduzem o ser humano.
Quando voltaram a si tinham perdido a memória, desconhecendo para que serviam as armas que traziam nos braços. Eles então se desfizeram das lanças, zagaias e escudos e olharam uns para os outros, sem saber o que fazer. Até que, perplexos, os chefes rivais se saudaram. A seguir os soldados se abraçaram. E, quando voltaram a olhar a paisagem, não mais viram território para conquistar, mas terra para cultivar.
Por fim, os homens despersaram. No regresso a suas casas, escutaram a mais antiga canção de embalar, entoada nas infinitas vozes de uma única mulher.
domingo, 27 de novembro de 2016
O Pequeno Príncipe, a disciplina e os baobás
Por Giselle Lourenço
Não
é todo domingo que a gente tem uma super viagem pra fazer ou um piquenique no
parque com a criançada. Fico pensando que tipo de gente, após trabalhar a
semana toda, resolve lavar seus banheiros no domingo. Bom, claro que não sou a
única; como eu, muitos fazem isso. Eu faço por vários motivos. Primeiro, por
falta de opção mesmo, pois não tenho quem o faça por mim, já que não pago
alguém para me auxiliar nas tarefas domésticas. Segundo, lembro-me das palavras
de um poeta em uma letra de música que diz: “quem não tem aonde ir, descobre
a graça de saber ficar”. Terceiro, gosto de tarefas domésticas. Elas me
permitem meditar enquanto as executo, sinto prazer em limpar e arrumar. E antes
que alguém pense que sou acometida pela neurose da limpeza, digo que há imensa
diferença entre sentir prazer em viver em um local limpo e arrumado e a
neurose. Cuidar da própria casa é uma tarefa muito nobre, muito bonita. Lembro-me
do Pequeno Príncipe e dos baobás. Ele diz a respeito: “É uma questão de
disciplina. [...] Quando a gente acaba a higiene matinal, começa a fazer com
cuidado a higiene do planeta. É preciso que nos habituemos a arrancar
regularmente os baobás logo que se diferenciem das roseiras, com as quais muito
se parecem quando pequenos. É um trabalho sem graça, mas de fácil execução”.
Enquanto
eu arrumo e limpo, penso o que em mim precisa de arrumação e de limpeza, e tem
funcionado bem. Voltando aos baobás, o príncipe nos conta que eles crescem
muito se não arrancados em tempo. E suas raízes são muito profundas, o que me
faz pensar em nossos vícios e em nossa maldade. Se não as arrancamos em tempo,
elas crescem, e crescem sem que percebamos, pois, primeiro, suas raízes imensas
começam a tomar conta do interior do “planeta”. Às vezes, pensamos que está
fácil arrancar um pé de baobá, pensamos que o braço dá conta de puxar, mas a
surpresa é que a raiz já proliferou e ganhou forças, e o braço que parecia
capaz de arrancá-lo torna-se impotente.
Inevitavelmente,
lembro-me também das palavras do Papa Francisco em sua carta “Laudato Si”, em que ele fala a respeito
do cuidado com a nossa casa, com a casa comum. Mas eu completo o desafio
dizendo que ninguém tem condições de cuidar de uma casa comunitária se,
primeiro, não for acostumado a cuidar de sua própria casa. E então, a dialética
entre casa física e morada interior torna-se inevitável. François D’Agay,
sobrinho de Saint-Exupéry, em 2009, plantou um baobá em Itú, São Paulo. Ele nos
deixou uma boa lembrança para que cuidássemos de nossa casa. Olhando para o
baobá, sempre deveremos lembrar de cuidar de nosso lar e de organizar o nosso
espaço. Dizem as filosofias orientais que um espaço externo organizado reflete
na organização mental, e, assim, a vida flui melhor. Se você tem dificuldades
de organização e não possui disciplina, lembre-se dos baobás e da lição do
menininho.
Voltando
à minha faxina da casa em pleno domingo, lembrei agora de quantas vezes me
perguntaram como eu consigo fazer tantas coisas ao mesmo tempo. Acho que a
contemplação do príncipe me trouxe a resposta. Com relação às riquezas do
príncipe, de uma eu tenho inveja mesmo: ele consegue assistir ao pôr do sol
várias vezes no dia, bastando, para isso, ir afastando sua cadeira para trás,
enquanto eu só vejo esta imagem da minha varanda uma vez ao dia. Não sei se meu
exame de consciência vai conseguir arrancar essa inveja que eu tenho do
príncipe... Será?
quarta-feira, 19 de outubro de 2016
Crônica finalista do Prêmio Sesc de Literatura
Memória de Elefante em 10
dias
Por Giselle Lourenço
Não
me recordo bem do autor, mas o livro chama-se Memória de Elefante em 10 dias.
Achei
por bem levar pra casa, já que não sou lá dessas pessoas que possuem a melhor
memória e, por vezes, uma memória mais habilidosa me faz falta mesmo. Comecei a
leitura sem esperar muita coisa, mas, aos poucos, a história e a proposta dos
exercícios me envolveram, dada a lírica presente no estilo do autor. Livros com
propostas como melhorar a memória, leitura dinâmica, propósitos de vida, são
temas que avassalam as prateleiras e os carrinhos de compra. Mas no primeiro
dia da leitura pensei: que não se sobreponham os preconceitos e que eu
experimente algo que não busco cotidianamente. Não custa tentar! E nessa
empatia do primeiro contato, cumpri a proposta do primeiro dia. Naquela mesma
noite, o telefone tocou. Minha amiga perguntava se havia lido as mensagens do
celular porque esperava uma resposta para nossa reunião do dia seguinte. Como
eu estava empolgada com a leitura, não consegui lembrar onde colocara o
celular. Procurei pela bolsa, pela sala, pela casa... nada! Expliquei a ela a
situação, fiz um esforço e não me lembrei onde deixara o bendito aparelho.
Retomamos tudo na ligação e não lembrei mesmo onde estava o celular.
Segundo
dia de leitura: acordei mais cedo pra fazer o exercício do dia. Quando entrei
no carro e abri o porta-luvas, descobri ali o celular. Menos mal, porque não
havia perdido. Mas nas mensagens de minha amiga, não havia menção do horário da
reunião. Fui até o escritório, peguei alguns materiais e fui ao seu encontro.
Sei que ela havia dito o horário na ligação da noite anterior, mas eu não
lembrava ao certo. Resolvi que não havia problema em chegar um pouco antes,
dessa forma, poderia adiantar a minha leitura. Adiantei terceiro, quarto e
quinto dias. Fiz os exercícios antes de deitar e sentia aquela prazerosa
alegria de dever cumprido, como se cumprisse a saga de um herói.
Dia
seguinte mesma coisa: acordando mais cedo para ler as propostas do sexto e
sétimo dias (deu tempo!). Saí para o escritório, esqueci agenda e ata de
reunião em casa. Achei que me virava sem elas. Começamos a reunião e, ao fim,
percebi que esqueci vários tópicos. Mas isso não seria mais problema porque eu
tinha aquele livro e, à noite, poderia recorrer a ele para me salvar do dia
desastroso. Indo pra casa, minhas mãos estavam leves, a bolsa leve, achei que
aquele era um daqueles dias em que eu ia trabalhar a pé pra dar uma caminhada.
Quando cheguei em casa, notei que o carro não estava na garagem e fiquei
assustada. Perguntei ao porteiro do prédio e foi ele que me lembrou que eu saí
de manhã com o carro para o trabalho. O carro estava lá no estacionamento da
empresa, e eu, no dia seguinte, teria que acordar mais cedo, não pra ler, mas
pra ir andando para o trabalho.
Manhã
seguinte: saí mais cedo novamente. Fiz a combinação de roupas e sapatos que
mais se adequariam ao trabalho e à caminhada ao mesmo tempo. Um desafio esse!
Pra não perder a oportunidade de ler mais, foquei na proposta do oitavo dia do
livro e lia, tranquilamente, orgulhosa em perceber que meu cérebro recebia bem
as coordenadas de leitura e caminhada pela rua sem maiores problemas. Ao chegar
no estacionamento da empresa, o carro estava lá, e estava só. Não havia mais
nenhum além do meu. A avenida, que normalmente é muito movimentada nesse
horário, também estava estranhamente mais tranquila. Olhei no calendário do
celular: era sábado! Não precisava ter ido trabalhar. Tentei me conformar com o
fato de que teria que pegar o carro de todo jeito, mas não me conformava porque
poderia, pelo menos, ter dormido um pouco mais. O jeito foi aproveitar as horas
remanescentes da manhã de sábado, dessas em que a gente não combina e não
programa nada, para ler mais umas páginas do meu livro milagroso.
No
domingo, acordei disposta. Missão cumprida! Finalizei a leitura do livro para
melhorar a memória, fiz todos os exercícios e foi mais fácil que pensei. Saí
pra caminhada matinal e não tive dúvidas de que fizera uma ótima aquisição naquela
semana. O autor, de quem ainda não me lembro o nome, era persuasivo, simpático,
parecia entendedor da questão. Eu teria mais sucesso dali em diante por causa
da memória mais treinada. E qual não foi minha surpresa ao ver um rosto
familiar na pista de caminhada do parque, cumprimentá-la e lembrar que a
conheci na loja de roupas íntimas e
enxovais femininos do shopping
daquela mesma quadra.
- Oi, querida! Lembra-se de mim? Falamo-nos
há uns dias na L&M Boutique. Ajudei você a escolher algumas peças para
presente à sua amiga.
E foi quando ela respondeu:
- Claro que me lembro! Você estava
comprando esse mesmo pijama que está usando hoje. Você gostou mesmo da
estampa de elefantinhos que ele tem, né?
terça-feira, 12 de julho de 2016
Livro "Depois do fim"
O mais recente livro resenhado: Depois do fim, do autor Alex Bezerra de Menezes. Livro prefaciado por Leandro Karnal. Editora Simonsen.
quarta-feira, 6 de julho de 2016
Carta aberta aos eruditos-burros
Crédito: Jean-Baptiste Camille Coro/Web Gallery of Art (Domínio público) A leitora adornada com flores, 1845, óleo sobre tela, Museu do Louvre, Paris, França. |
Carta aberta aos
eruditos-burros:
eruditos-burros:
Caro erudito,
Venho acompanhando suas críticas mordazes ao português falado e
escrito do brasileiro mediano, que não acumulou, como você, o conhecimento de
toda a humanidade ocupando o trono apocalíptico da sabedoria livresca.
Preciso informar-lhe que esse é um problema
estrutural que, antes de ser passível de críticas por aqueles que se pensam
discípulos de Padre Antônio Vieira, deve ser tratado com seriedade, deve ser
pensado e estudado para que todo cidadão possa, da norma-padrão, servir-se
quando necessário, nas ocasiões em que ela, a dona norma, for exigência para a
inclusão, seja intelectual, social, mercantil, acadêmica etc.
Eu poderia rir sarcasticamente de você e elevar esse
problema de domínio da norma-padrão quando você, ao criticar o português do
cidadão mediano, não sabe quando usar "este" ou "esse";
poderia dar continuidade à sua piada usando-a contra você, assumindo o papel de
advogada do diabo, ao ver que você não emprega corretamente a mesóclise ou pensa
estar arrasando empregando-a em abundância, sem ao menos saber que esta se encontra em desuso, com uma razoável tendência a cair em breve. Poderia,
inclusive, escrever uma carta a você desdenhando do seu uso indevido de crase
quando escreve: "Irei à Miami". Se em Miami houver boas gramáticas de
Língua Portuguesa, aproveite para enriquecer sua estante, mas as leia,
principalmente.
A menos que você saiba descrever todos os erros
gramaticais contidos nas obras de Machado de Assis, não queira desdenhar do problema
linguístico que enfrenta nossa educação. Já passei da fase em que achar graça
das placas de vendas como "Vende verdura cem agrotoxio" me fazia
sentir superior, linguisticamente falando.
Caro erudito-burro, não me responsabilizo pelo
termo "erudito-burro". A menos que a tradução esteja aquém, esse é um
termo usado pelo filósofo alemão Schopenhauer para descrever pessoas como você,
que não tendo a capacidade de dar à luz novas concepções e reflexões mais
profundas a partir do conhecimento inicial, apenas reproduz ou vomita aquilo
que leu e decorou nas enciclopédias por aí. Mas eu gostei do termo e não me
sinto ofendendo ninguém, visto que a justificativa é cabível. Talvez, se você
retirar sua arrogância do discurso, que é a matéria-prima daquilo que te deixa
burro, eu deixe então de usar o termo schopenhaueriano.
E se você não é um erudito, mesmo que burro, menos
ainda desdenhe desse problema estrutural. Se você sequer tem a companhia dos
livros e não pratica a leitura frequente, não escarneça de sua própria
desgraça. Dizem que não é bom.
Ass. uma professora qualquer
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